Criadores de jogos miram novo modelo de negócios
29/08/2006 - João Luiz Rosa, Ricardo Cesar e Taís Fuoco

Formado em processamento de dados e marketing, com pós-graduação em administração de empresas, Marcus Pinheiro é um profissional bem-sucedido que atua como diretor da Embratel. Mas fora do escritório, quando sobra tempo, ele entra na pele de um cavaleiro templário e luta contra adversários pela posse de castelos no jogo Ragnarok, disputado via internet. "Já me peguei jogando quatro horas seguidas", conta o executivo. "É possível trocar experiências e idéias com outras pessoas. Já fiz amigos até de outros Estados.

"O entusiasmo de Pinheiro mostra que os jogos eletrônicos deixaram de ser um território exclusivo dos adolescentes, o que está levando a indústria a tentar novos modelos de negócio, aproveitando esse público mais amplo. O resultado é que os games estão indo para os telefones celulares, a internet (com os jogos em rede), a publicidade e até as empresas, onde são usados para treinar funcionários. Bem-vindos à era do jogo em qualquer lugar.

Essa mudança abre uma nova perspectiva para as empresas brasileiras que criam ou distribuem jogos. Até agora, com o mercado restrito aos sofisticados jogos para PCs e videogames - como o PlayStation, da Sony, e o Xbox, da Microsoft -, elas tinham poucas chances de crescimento. Com os novos segmentos, que exigem menos investimentos, aumentam as chances de se firmar no mercado.

O movimento mais recente é a criação da Tec Toy Mobile, anunciada ontem. Com participações iguais da brasileira Tec Toy, que atua há 19 anos na área de jogos eletrônicos, e da Level Up! - a companhia das Filipinas dona do Ragnarok -, a empresa ficará concentrada nos jogos para celulares, considerado um dos segmentos mais promissores.

Segundo estimativas da Tec Toy Mobile, o mercado brasileiro de jogos para celular representa 0,6% dessa categoria no mundo, o equivalente a US$ 18 milhões de um negócio global de US$ 3,05 bilhões. Até 2011, no entanto, a previsão de mercado é de que o volume vai saltar para US$ 17,6 bilhões. Se os negócios no Brasil acompanharem essa velocidade, em três anos chegará a US$ 62 milhões, estima Reinaldo Normand, gerente geral da Tec Toy Mobile.

O plano da companhia é investir R$ 5 milhões até 2007 para instalar equipamentos, adquirir licenças de jogos - de estúdios brasileiros e internacionais -, além de ações promocionais.

A Tec Toy não está sozinha. Outras empresas estão seguindo o caminho dos jogos para celular, atraídas pela base de 92 milhões de aparelhos móveis existente no país. Instalada no Porto Digital, em Recife, a Meantime nasceu de um projeto encomendado pela Motorola ao Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), em 2001. Dois anos depois, a iniciativa deu origem à empresa, que obteve um aporte do fundo de investimento Fir Capital. Hoje, a Meantime tem 75 funcionários e vende seus produtos às operadoras Oi, Claro, TIM, Telemig, Amazônia Celular e Brasil Telecom. O próximo passo, previsto para este ano, será abrir uma representação nos Estados Unidos e outra na Europa.

Uma das vantagens dos jogos para celular é que, ao contrário da internet, em que inicialmente prevaleceu a oferta de conteúdo gratuito, no celular a cultura é outra, diz Haim Mesel, diretor executivo da Meantime. "Na telefonia móvel tudo é cobrado, seja para baixar um jogo ou uma campainha, e as pessoas estão acostumadas com isso", afirma.

Existem, claro, as contra-indicações. "Quando se cria um jogo para celular é preciso lançar cerca de 30 versões porque os aparelhos têm sistemas e componentes diferentes", diz André Luiz Monteiro de Araújo, um dos sócios da Jynx, também instalada no Porto Digital. "No Brasil, é necessário sair com 15 a 20 versões para cobrir 80% do mercado.

"Outra restrição é que, por enquanto, apenas 10% dos celulares usados no Brasil estão equipados com tecnologias que permitem baixar os games e jogá-los. Apesar disso, os jogos para celular preservam as empresas de um dos principais predadores do entretenimento digital: a pirataria. Ao contrário dos títulos em CD-Rom, que são facilmente copiados, eles estão a salvo dos piratas.

É o que acontece, também, com os jogos em rede. O mais famoso deles é o Ragnarok, da Level Up!. Desde que chegou ao Brasil, no ano passado, a empresa já investiu US$ 10 milhões na operação. Só no lançamento do Ragnarok foram US$ 3 milhões.

O investimento atraiu a atenção do público, e o jogo já reúne 1 milhão de usuários pagantes no país. No mundo, são 30 milhões. Para manter essa rede em funcionamento, a Level Up! sustenta, no Brasil, uma equipe de 70 pessoas e uma infra-estrutura com 140 servidores - os computadores que mantêm o jogo no ar.

O modelo de remuneração varia e inclui desde a assinatura até o acesso por meio de cartões pré-pagos. A Level Up! planeja trazer mais sete jogos ao país até o fim do ano e prepara-se para a estréia de um desenho animado com os personagens do Ragnarok, que estréia na segunda-feira, no canal de TV paga Cartoon Network. "Também estamos fechando o licenciamento de produtos baseados no desenho", diz Andrea Bedricovetchi, diretora geral da Level Up! no Brasil.

Uma variação dos jogos em rede são os games casuais. Em geral, eles são relativamente simples e funcionam como passatempo entre uma atividade e outra, como "sinuca on-line" e "paciência". Especializada na distribuição desses jogos, a Atrativa - que tem sede nos EUA, mas foco no Brasil - reúne dois milhões de jogadores cadastrados. "Aproximadamente 100 mil já compraram algo", diz Luiz Gonsalez, diretor da empresa. A receita, que em 2005 foi de R$ 1 milhão, deve chegar a algo entre R$ 2,5 milhões e R$ 3 milhões neste ano, estima o executivo.

Os criadores de jogos também estão pegando carona na publicidade on-line com os advergames, jogos que servem de canal para uma marca. "No Brasil, trata-se da principal maneira para uma empresa sair do zero", diz Marcelo Carvalho, sócio da Devworks, de São Paulo, e presidente da Abragames, a associação do setor.

A Délirus, de Campinas (SP), conseguiu aportes de R$ 700 mil - da Fapesp, CNPq e Finep -, o que lhe permitiu investir em uma tecnologia capaz de inserir propaganda em jogos e monitorar quantas vezes o anúncio é visto. "Podemos mudar a história: a lanchonete pela qual o personagem passa pode ser um McDonald's hoje uma Pizza Hut amanhã", diz André Penha, diretor executivo da empresa. Definitivamente, os games estão chegando a todos os lugares, mesmo que virtuais.

fonte: valor online

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